Páginas

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Soluções Políticas - Os males máximos e os remédios mínimos

Veja-se como, já em 1921, escrevia Jaime Cortesão acerca dos problemas do nosso país naquela época. Um país que ainda possuía colónias em África e na Ásia, de onde lhe provinham as mais variadas riquezas... Em vésperas da votação do Orçamento apresentado pelo Governo Socialista na Assembleia da República, (Setembro de 2010) seria bom que os partidos meditassem sobre os termos do texto transcrito abaixo.
SOLUÇÕES POLÍTICAS
OS MALES MÁXIMOS E OS REMÉDIOS MÍNIMOS - O QUE A «SEARA NOVA» PROPÕE COMO SOLUÇÃO IMEDIATA PARA A CRISE NACIONAL

Os últimos acontecimentos revolucionários tiveram uma virtude: patentear à evidência a nossa desorganização social e as ameaças de morte que cercam a nação. Chegámos a um tão perigoso estado de dissociação, que, por momentos, o mesmo grito de alarme se ergueu de todos os agrupamentos da opinião política portuguesa. «Ante os perigos de toda a espécie que caracterizam a angustiosa situação do país, é indispensável e urgente a união dos esforços de todos os portugueses honestos e bem intencionados, venham eles de onde vierem...», afirmou o ex-deputado monárquico Sr. Carvalho da Silva, numa entrevista concedida ao Diário de Lisboa. Por sua parte, os três maiores partidos da República, levados por essa mesma necessidade, uniram-se para a defesa e realização de um programa mínimo. E o escritor ilustre Sr. Manuel Ribeiro, entrevistado por aquele jornal, falando em nome dos comunistas, deseja, em conclusão, «tranquilidade e calma para a solução dos mais instantes problemas económicos do país...». Esse mesmo estado de desorganização permitiu que uma grande parte da imprensa estrangeira, e em especial da inglesa, logo após a retirada dos navios de guerra estrangeiros que durante um mês fundearam no Tejo, começasse, movida por inconfessáveis razões, uma campanha a favor da intervenção estrangeira em Portugal. Uma revista inglesa ressuscitou a velha questão de saber a quem de verdade cabem as responsabilidades na retirada da batalha do Lys para as lançar, contra toda a razão e à mistura das afirmações mais caluniosas, sobre o exército português. Por mais que se diga, é impossível diminuir a gravidade extrema deste facto. A situação portuguesa chegou a um estado tão melindroso, que já os políticos de todas as cores o reconhecem, e os estrangeiros preconizam como único remédio salvador a sua intervenção. Atingimos o extremo em que uma ligeira oscilação pode provocar a última derrocada.
Não obstante esta aparente identidade de vistas adentro do país, muitos homens ainda teimam em erros e ilusões perigosíssimas. Se é certo que os extremistas, como claramente o deu a entender o sr. Manuel Ribeiro, repelem a ideia duma revolução social isolada em terras portuguesas, e o Sr. Emílio Costa preconizou nesta revista a necessidade de reformas imediatas dentro do regime actual, ao contrário, os monárquicos persistem em crer que o melhor remédio seja a mudança do regime e muitos dos chamados conservadores, fora e dentro da República, preparam, não obstante as sangrentas lições de Outubro e as gravíssimas indicações externas, um novo assalto ao poder por meios revolucionários. Por sua vez, os partidos republicanos, como se depreende do programa mínimo em que assenta a sua união, partilham um erro semelhante ao dos monárquicos, que é supor que as mudanças meramente superficiais possam remediar o mal. Com efeito, da leitura do seu programa mínimo, lícito será depreender-se que os nossos dirigentes políticos desconhecem as causas profundas da crise nacional e os meios eficazes para a debelar.
É lamentável que desse documento não ressalte a intenção de acudir às instantes necessidades educativas e que os partidos se tenham unido apenas para uma acção que não vai além dos expedientes transitórios, tal a de conceder prémios, realizar empréstimos e reformas tributárias. Pretender curar um doente pelo tratamento dos sintomas, deixando que a causa destruidora permaneça, equivale a condená-Io à morte. Antes de mais nada, a crise não é política, mas nacional. Com o nosso actual tipo humano dominante não há regime político capaz de tornar próspera a nação. Não é o regime, nem a agricultura, nem a indústria, nem as finanças que verdadeiramente estão em crise. O que em Portugal, há alguns séculos, está em crise, é o português. Enquanto se não melhorar o tipo social dominante, escusamos de pensar em melhorar o país de vez. Cada vez mais o trabalho governa o mundo, dá carácter e coesão aos povos e gera o tipo das futuras sociedades. Só pelas múltiplas iniciativas, a disciplina voluntária e a organização do esforço produtivo as nações se robustecem e progridem. Ora, com um português abúlico, madraço, parasitário e impulsivo, impossível se torna organizar o trabalho útil e vencer o deficit da produção. E enquanto esse deficit persistir, escusado será pensar de vez em baratear a vida, equilibrar os orçamentos, regular os câmbios e estabelecer a ordem. Depositar esperanças definitivas nos armazéns reguladores, nos empréstimos, em prémios, em impostos, em isolados fomentos coloniais e em movimentos da direita ou da esquerda, é persistir na inútil e mortal terapêutica dos paliativos. O remédio, demorado mas eficaz, consiste em melhorar o tipo social. O que urge é educar para e pelo trabalho, produzir para educar e pela educação. A resolução dos dois mais graves problemas - o educativo e o económico - faz-se concomitantemente. Suprimir toda a burocracia civil e militar inútil, obrigando todos os ociosos a um trabalho de utilidade colectiva, constitui uma medida de carácter juntamente económico e educativo. Acabar com um ensino que cria os doutores e políticos palavrosos e os aspirantes a militares e burocratas; criar a escola trabalhista; suprimir toda a propriedade inútil com o fim de a tornar produtiva, preenche igualmente os mesmos fins. Todavia o remédio de efeito mais salutar e duradoiro será transformar o jovem português, desde a infância,
dentro da família e pela escola, educando-lhe a vontade enfraquecida ao máximo pelos erros e morbos ancestrais.

Onde as forças políticas capazes de encetar com firmeza esta obra? Os partidos da República? Desgraçadamente os governos e os parlamentos saídos dos partidos, eles o reconhecem já, têm consecutivamente dado nos últimos anos as mais graves provas de incapacidade. Com a instabilidade governativa, em que soçobram todas as boas intenções, não se pode tentar a realização de reformas profundas. O seu mesmo programa mínimo implicitamente confessa a incapacidade para uma acção de largo fôlego. Também as soluções extremas que implicam as outras correntes políticas, são inviáveis em Portugal. Uma, a extrema direita, conservadora e capitalista, hoje, em parte alguma da Europa pode ser a reguladora única dos interesses sociais. A outra, a extrema esquerda proletária, não pode igualmente exercer aqui a sua preconizada ditadura. Já porque tal ditadura exige uma organização trabalhista e uma independência económica, que nos escasseiam por maneira evidente, já porque sendo nós um país de tão precária independência, não podemos assumir no mundo, isoladamente, uma atitude extrema. Demais erram e iludem-se grosseiramente os que confiam apenas em que das soluções políticas resultará a pública salvação. Num país onde as classes dominantes têm horror ao trabalho honrado e independente, até um governo de Bismarcks, Cavours e Pombais havia de falir por incapaz. Não há indivíduo, por poucas que sejam as suas aptidões ou possibilidades de acção, que não tenha responsabilidade no bom ou mau andamento dos negócios públicos. Dentro duma nação, por mais que se isolem, todos são bons ou maus políticos. Porque o progresso dum país resulta do valor produtivo de cada indivíduo, da sua vontade, desinteresse e espírito de sacrifício. Em verdade, é a soma dessas energias que transforma e governa a nação. Assim aos que nos solicitam a cada passo para que partilhemos do poder, diremos que as grandes reformas sociais não se realizam apenas governando. Aos que nos pregam que só as organizações partidárias permitem as grandes afirmações e realizações políticas responderemos que esses agrupamentos acabam por criar um espírito de baixo comunismo e uma moral de cumplicidade, essencialmente prejudiciais à pureza dos princípios. E a todos eles diremos, em resumo, que há uma vasta política fora da política e também se governa fora do governo.
Quer isto dizer que a acção dos governos tenha forçosamente de ser estéril? De modo algum. Desde que um governo tenha a auxiliá-Io uma acção colectiva suficiente, pode e deve realizar grandes progressos.
A Seara Nova, já o dissemos, entende que é extremamente defeituosa a organização actual dos partidos e que a República necessita, para o seu regular funcionamento, duma grande reforma de todos os seus poderes. Mas reconhece também a impossibilidade de substituir ou alterar profundamente, por agora, todos esses organismos. Atingimos um estado tal de desorganização que o menor abalo nos pode ser fatal. Procuremos, pois, realizar o máximo e o melhor esforço com os quadros e as fórmulas existentes. Mas para isso torna-se indispensável que o acordo dos partidos vá mais longe. Eles podem e devem entender-se sobre a maneira de debelar o mal nas suas causas e não apenas no tratamento dos sintomas. A situação portuguesa não admite mais delongas. Urge reconstruir desde os alicerces, resolvendo, como dissemos, os problemas educativo e económico. Dir-nos-ão que salvar um país por um sistema de reformas que tem por base a educação leva demasiado tempo. Todavia, a história o prova, nenhum resultado sério e duradoiro se pode obter por processo diferente.
Não é nosso intuito ditar aqui essas reformas. Mas a Seara Nova já começou a apresentar as bases da solução para o problema educativo pela pena do Dr. Faria de Vasconcelos e está contribuindo para a solução do problema económico com os notáveis estudos de Ezequiel de Campos. O ideal seria que os partidos acordassem com os técnicos num plano inteiro de governação e que um governo de competências, recrutado dentro e fora dos partidos, munido de garantias de estabilidade, encetasse a sua realização. Mas se isso for impossível, que ao menos os partidos se entendam, para a solução dos problemas educativo e económico, essencial à salvação do país, em dar continuidade governativa dentro das pastas da Instrução, Agricultura e Comércio, entregando-as a competências estranhar aos partidos, mas por eles apoiadas, de maneira a garantiir-lhes durante quatro anos a estabilidade necessária. Pretender salvar o país dentro da instabilidade dos últimos governos e sem atacar a sério a solução conjunta daqueles dois problemas acarretará mais desprestígio e culpas sobre esses organismos partidários, retardando ou impossibilitando a salvação do país.
Aos olhos do estrangeiro estamos perdendo os últimos restos de prestígio. Os jornais ingleses lançam sobre nós os piores insultos. Começamos a ser dificilmente tolerados como povo livre dentro da Europa. Nem já devemos perder tempo a discutir o direito que assiste a essas nações de nos vexarem. A única resposta satisfatória está na mudança de processos. Basta de expedientes. Basta de assaltos ao poder. Basta de assomos de tardio pundonor. Se não procurarmos sem tardança, com firmeza e honestidade, pôr fim à desorganização actual, daremos nós próprios razão aos estrangeiros, acabando por ser, clara ou disfarçadamente, os seus escravos.
Nº 5 -24/12/1921 - Jaime Cortesão